Há um ano, em Nanterre, um jovem de 17 anos foi morto pela polícia durante uma abordagem de trânsito. Poucas horas depois, uma filmagem causou uma onda de protestos que varreu o país por vários dias. Todos ficaram surpresos ao perceber o impacto inesperado de uma imagem. Neste fim de semana, um evento de alcance global teve um efeito similar; uma imagem entrou para a história, possivelmente influenciando a próxima eleição presidencial no outono. Ela foi destaque em muitos jornais internacionais. Donald Trump, com o rosto ensanguentado, ergue o punho e parece proclamar: “Estou vivo, lutem!”
No dia 13 de julho, em Butler, Pensilvânia, Donald Trump está no palanque de um comício eleitoral. De repente, um tiro é ouvido. O ex-presidente segura a orelha e se abaixa atrás do púlpito. Agentes do Serviço Secreto agem imediatamente para resgatá-lo e protegê-lo. Eles se preparam para evacuá-lo quando Trump diz: “Wait, wait!” (Esperem, esperem!). Ele se levanta e, em um gesto surpreendente, ergue o punho direito em direção aos seus apoiadores e os convoca a lutar: “Fight, fight!” (Lutem, lutem!), grita ele repetidamente.
A multidão, atônita e ainda em choque, começa a gritar: “USA, USA, USA…”. Trump, uma “fera midiática”, percebe rapidamente que aquele momento era histórico e, com seu senso inato de encenação, decide criar uma imagem memorável. Sessenta segundos se passam entre o disparo e o punho erguido. A história muda, e é Trump quem acaba de escrevê-la, sobrevivendo milagrosamente a essa tentativa de assassinato.
Foi durante esses poucos segundos de tiroteio que o fotógrafo da agência Associated Press, Evan Vucci, correu até o púlpito e tirou a fotografia emblemática.
“Eu vi o sangue, mas não sabia se ele estava ferido. Nesses momentos, a gente pensa no trabalho que deve fazer, então, entramos em modo de trabalho. Fiz milhares de fotos de comícios políticos. Temos automatismos. Nessas circunstâncias, sempre penso: ‘Devagar’, porque não há uma segunda chance, é preciso ter a foto certa de primeira. É preciso ser profissional e ir em frente, e foi o que fiz.”
Metodicamente e com grande experiência, ele vai colocar em prática, uma a uma, todas as partes de uma imagem quase perfeita. A contra-plongée, técnica de enquadramento onde a câmera é posicionada abaixo do nível dos olhos, apontando para cima, glorificando Trump, transformando-o em um super-herói digno de Superman ou Capitão América. Apagando, assim, o contexto do comício. A cena é fotografada com um fundo neutro, azul sólido, no qual Trump se destaca. Com um olhar distante, ele já está no futuro da América, a democracia está sob ataque e ele se posiciona como um bastião se erguendo acima de todos. As cores são fortes e limitadas às cores da bandeira. Azul dos ternos, camisas brancas e vermelho do sangue. As marcas de sangue no rosto do líder republicano evocam um mártir, um novo messias carregando os estigmas de sua devoção. Finalmente, um dos quatro agentes do Serviço Secreto nos olha, seus olhos protegidos por óculos escuros. Ele nos convoca a participar desta cena surpreendente.
E é toda a mitologia visual americana que ressurge bruscamente através desta fotografia que tem um poder de comunicação incrível. Todas as imagens do relato americano vêm rapidamente à mente.
[ RON EDMONDS / AP ]Uma das balas disparadas por John Hinckley Jr. havia ricocheteado na limusine presidencial blindada e atingido Ronald Reagan no peito.
[Neil Leifer]Muhammad Ali gritando: “Levante-se e lute, seu vagabundo! Você não é tão durão?”, após o primeiro round, nocauteia Sonny Liston. Essa cena se tornou um símbolo de superioridade, criando um vínculo forte com a cultura americana.
[ AP / Sipa. ]Na Cidade do México, em 1968, os americanos Tommie Smith (no centro) e John Carlos denunciam a segregação racial nos Estados Unidos. Existem várias imagens desta cena, tantos eram os meios de comunicação presentes. O fotógrafo desta em particular não é conhecido.
John F. Kennedy, abatido em Dallas e filmado por Abraham Zapruder, mas também Ronald Reagan que escapou por pouco da morte em 1981. É Muhammad Ali triunfando sobre Sonny Liston, Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos da Cidade do México. É “Rocky”, Rocky Balboa erguendo o punho.
Mas a imagem “Sobrevivente” permanece como uma das fotos mais emblemáticas do século XX, “Raising the Flag on Iwo Jima” (A Elevação da Bandeira em Iwo Jima), tirada em fevereiro de 1945 por Joe Rosenthal. A referência se encaixa à imagem. Composição triangular com Trump em elevação, glorificação teatral da cena, destaque da bandeira. Os guarda-costas de Trump reproduzem gestos semelhantes aos dos marines tentando hastear a bandeira americana. A democracia foi atacada, mas resiste, a bandeira ainda flutua acima da cena. Quem tentou matar o ex-presidente falhou. Pode-se até ver, por analogia, um Donald Trump brandindo a bandeira estrelada.
Basta olhar as outras fotografias tiradas do evento para perceber a diferença de tratamento. Ou o contexto intervém e estamos no testemunho jornalístico de informação. Ou estamos próximos, muito próximos, e a emoção emerge, afastando a dimensão simbólica da imagem.
[ REBECCA DROKE/Archives AFP / © Bestimage, Zuma Press/Bestimage / Gene J. Puskar/AP /Anna Moneymaker / Getty Images ]O que é muito perturbador é a reversão visual operada por esta fotografia. Pois imagens de Trump brandindo o punho, já vimos centenas e, no entanto, desta vez, a percepção é diferente. Não é o político imprevisível que conhecemos, arrogante e narcisista, é uma imagem muito mais positiva, uma espécie de super-herói salvador pronto para defender a América unificada. Muitas vezes se disse que a fotografia acompanhava a história, mas não a transformava. Esta imagem pode ter um papel determinante na corrida pela Casa Branca. Uma virada na opinião pública. No momento em que Joe Biden tropeça e balbucia, sem encontrar as palavras, Trump é um guerreiro escapando da morte. Erguendo o punho como desafio. “Estou vivo!”
O que Evan Vucci fotografa neste momento preciso não é simplesmente um fato atual, é uma alegoria, uma imagem que desenrola um verdadeiro storytelling. É a “Liberdade Guiando o Povo” de Delacroix em 1830.
“Eu soube que era um momento histórico para os Estados Unidos e que precisava eternizá-lo”
declarava Evan Vucci pouco após a tentativa de assassinato. Evan Vucci não captou a realidade do momento, o que ele fotografou foi um símbolo, uma imagem política. E é isso que ficará na história.
No momento dos tiros, Donald Trump usava o icônico boné vermelho “Make America Great Again” (“Tornar a América Grande Novamente”), um acessório que se tornou indispensável e apareceu em 2015, durante as primárias republicanas. Em poucos meses, este objeto se tornará um símbolo, talvez até um talismã.
Dois dias após a tentativa de assassinato, Donald Trump foi ovacionado na convenção republicana de Milwaukee. Ele será ovacionado com gritos de “USA, USA, USA!” Ele ergue o punho, sorrindo, sem o boné, mas com um grande curativo branco na orelha.
Não há dúvida de que esse gesto simbólico reforça a imagem de Trump como um “herói mártir”, consolidando sua figura não apenas como um líder político, mas também como um ícone de resistência e perseverança diante da adversidade.